Card - TCC Priscila KoyKuá

Estudante de enfermagem, Priscila KoyKuá, realizou defesa do seu trabalho de conclusão de curso

Updated at 03/14/23 10:55 .

Acadêmica será a primeira indígena a concluir a graduação na FEN. Conheça sua trajetória

Texto: Eduardo Almeida

"Contribuições da enfermagem para o bem-viver dos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19". Este foi o tema da pesquisa realizada por Priscila Koykuá Dias da Silva Kanela, estudante de 24 anos da Faculdade de Enfermagem, pertencente à comunidade indígena Kanela do Araguaia. A apresentação ocorreu na última semana (08/09). 

O trabalho teve como principal objetivo identificar as contribuições/ações da enfermagem para o bem-viver dos povos indígenas durante a pandemia, entre os anos de 2020 e 2021. Foi orientado pela docente da FEN, prof.ª Nathália Silva. Segundo a estudante, a escolha da temática foi devido ao aumento significativo do adoecimento mental desta população, visto que os povos indígenas não conseguem ser acompanhados e atendidos de maneira efetiva e que grande parte dos enfermeiros não possuem qualificação para atuar nesse contexto. Ainda sobre a escolha do tema, a discente relatou que não houve dificuldades, entretanto teve impasses para adesão de enfermeiros a pesquisa e escassez de material na literatura.

Priscila relatou sua emoção e responsabilidade com a apresentação do TCC. "Estava ansiosa, mas muito feliz, pois me veio em mente todos os momentos e lembranças do meu percurso na graduação, dos meus amigos me apoiando. Foi um marco na minha vida e de uma responsabilidade muito grande. Desde que entrei no curso, via meus parentes entristecidos, uma desistiu da graduação e outros estão dando seguimento com dificuldades. Apresentar o TCC é representar cada indígena que irá concluir a graduação de enfermagem pela UFG."

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Foto 02: Priscila Koykuá e sua orientadora, prof.ª Nathália Silva.

Priscila Koykuá

Priscila nasceu em Canabrava do Norte, no estado do Mato Grosso, sempre estudou em escola pública e teve o apoio do pai e da avó para persistir na educação mesmo com as dificuldades, segundo ela, são suas maiores fontes de inspiração. "A maior lição que carrego é que o estudo é algo que ninguém pode nos tirar, que o conhecimento liberta da subordinação e da opressão". A estudante relatou que a leitura foi um obstáculo e que possuía vergonha de realizar perguntas quando surgiam dúvidas em aula, o que comprometia seu desempenho escolar. Quando terminou o ensino médio, a acadêmica pensou que não conseguiria dar seguimento aos estudos, tinha vontade, mas se sentia perdida. 

Abordando suas tentativas no ensino superior, Priscila foi aprovada em engenharia florestal (UFT), mas não realizou a matrícula, também iniciou o curso de química (IFMT), porém não possuía afinidade com o curso, além das dificuldade de se manter na graduação, tendo que trabalhar como babá e doméstica para auxiliar a irmã com as despesas e estudar no período noturno. "Me sentia exausta". Afirmou a estudante. 

Para a entrevista, a discente comentou sobre sua vida fora do ambiente acadêmico. "Algo que gosto muito de fazer é socializar com meus amigos e com meu povo, de ir para a beira da fogueira e ouvir nossos anciões da aldeia falando de suas vivências. Gosto de celebrar as festas tradicionais e contribuir com meu povo, que é um marco da resistência."

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O curso de enfermagem

No final do ano de 2016, Priscila realizou a prova do ENEM almejando algum curso da área da saúde, a princípio medicina, que não conseguiu devido a nota, entretanto a irmã sugeriu que tentasse o curso de enfermagem na FEN/UFG. Aprovada para início no ano seguinte (2017), a estudante relatou que ficou muito alegre com o resultado. "Digo hoje que a enfermagem me escolheu. Não era o meu objetivo, mas hoje é minha maior conquista e paixão". Priscila também comentou sobre se ver enfermeira. "Me olho e vejo uma enfermeira, saber que posso ser mais e melhor a cada dia, que cada paciente tem sua particularidade e que cada um é um mundo. É ver que eu posso ser o diferencial como enfermeira. A enfermagem me proporciona trabalhar diretamente com meu povo". 

Priscila contou sobre seu primeiro ano da faculdade, segundo ela o mais difícil, e do apoio que recebeu. "No primeiro dia, a pessoa que me acolheu muito bem foi meu amigo Irene Pereira, pertencente a comunidade Quilombola. Mas, no primeiro ano eu me comparava muito com meus colegas de turma. Aquela sensação de que todos aprendem muito rápido, e meu processo era lento. As primeiras notas foram péssimas, mas não desisti." 

A estudante relatou que tinha mais facilidade com prática do que com a teoria, que começou a se dedicar no que mais tinha aptidão, sem deixar a teoria de lado. Comentou que fez amigos que a fortalece até hoje na Faculdade de Enfermagem e que no decorrer do curso foi percebendo a afinidade com algumas disciplinas como Anatomia Humana, Bases I e II, Enfermagem Clínica, UTI, Ginecologia e Obstetrícia, Saúde Mental, Psiquiatria e Doenças Infecciosas. 

Fazendo um paralelo do término com o início da graduação, a estudante comentou. "Diria que a Priscila Koukúa que está aqui hoje, poderia ter chorado menos. Mas, vejo que ele sempre teve o apoio dos amigos e do povo dela, que ela é uma guerreira que não desiste fácil de seus objetivos. Ela será um Enfermeira!" Priscila relatou sua felicidade com o curso. "Minha maior felicidade é ver meus parentes indígenas e quilombolas não desistindo de ser enfermeiros e ter sido ouvida pela Faculdade de Enfermagem sobre as demandas desses estudantes da FEN/UFG". Relatou também suas dificuldades. "É lidar com comentários preconceituosos, 'piadas' em relação ao meu fenótipo. Ter que demonstrar para os outros que eu sei o que estudo e ser inserida em um grupo porque ninguém te escolheu." Finalizando sua fala, Priscila comentou sobre os poucos indígena e quilombolas que concluíram a graduação. "É saber que indígenas e quilombolas passam dificuldades, que nem sempre são percebidos, que precisam de ajuda. É importante lembrar que em 47 anos da FEN, poucos se formaram."

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Conclusão do curso e metas para o futuro

Priscila afirmou que se sente realizada enquanto futura enfermeira indígena e relatou suas metas para o futuro."Penso em colaborar para uma implementação de fato de uma rede de atenção à saúde indígena, seja no âmbito físico ou mental no território. Além de um dia ser uma enfermeira de referência na saúde dessa população".

No final da entrevista, a acadêmica deixou uma mensagem para a Faculdade de Enfermagem. "A FEN/UFG, peço que tenha um olhar holístico para seus estudantes indígenas e quilombolas, além dos estudantes não indígenas, que por x questões não conseguem avançar no curso. Que cada professor e coordenação faça uma busca ativa a cada estudante, identificando suas dificuldades, para que cada estudante indígena e quilombola consiga alcançar seus sonhos e objetivos. Que possam olhar para nós não como números, nem como instrumentos de pesquisa, mas sim, como pessoas, futuros enfermeiros e pesquisadores."

 

Source: Comissão de Comunicação - FEN/UFG

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